ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS
O NOVO PODER
Muito temos falado de diversidade cultural, biodiversidade, direito a diferença e autodeterminação. O tema é complexo, capaz por si só de revelar valores daqueles que o estudam. Nosso tema trata de uma problemática moderna.
A recusa na uniformização na Sociedade da Informação e do Conhecimento. Analisamos até o presente momento os conceitos de diversidade cultural, biodiversidade, patrimônio cultural imaterial, os sistemas de proteção desses institutos, etc.
Antes de passarmos adiante, creio que didaticamente é viável que façamos uma breve reflexão sobre o tema e o problema proposto. O que é uniformidade na sociedade da informação e do conhecimento? O que é sociedade da informação? E o que é a sociedade do conhecimento? Existe recusa em uniformizar as massas nessa sociedade? Quem está recusando?
Como vemos, há questões e questões a serem respondidas, mas antes, devemos completar o conhecimento de vocês, com mais conceitos e fatos, que vão nortear as respostas das perguntas acima propostas. Os novos conceitos que apresento aqui agora para vocês, não passam de conseqüência pratica dos conceitos antes apresentados pelos meus colegas.
Há alguns anos, podemos notar uma mudança drástica nas relações sociais, econômicas e políticas, que se aprofundaram com a guerra fria. Após o período de grande intriga entre Estados e suas formas de organização, tanto em uma quanto na outra, surgiu a necessidade de readequar o sistema.
Essa mudança norteia o atual sistema de coisas, a organização mundial, a estrutura econômica e social, apontando para o nascimento de uma nova ordem mundial. Apesar de rápida, essa mudança se quer delimitou a forma do novo sistema que deve surgir. O que temos é a necessidade da criação deste, mas os Estados, diante das mudanças atuais, tentam solucionar o problema reinventando o que temos hoje.
O ponto principal desta nova ordem sem duvida esta ligada ao papel do Estado e o papel da sociedade. O que antes era de responsabilidade do Estado, fruto da evolução do Estado Liberal, hoje é clara a tendência de que o Estado não pode mais suportar tudo e a todos.
Em tentativas frustradas, tentou-se distribuir essas responsabilidades, deixando que o mercado econômico assumisse parte dela. O resultado está ai fora, tanto o Estado como o poder do capital estão abalados, em crises mais crises, uma seguida da outra, regredindo cada vez mais ao ponto anterior a ultima queda.
Grandes quantidades de dinheiros e créditos estão sendo colocados no mercado, que visivelmente está decadente, mas os efeitos não surtem os resultados esperados. Um grande exemplo disso são os EUA, que após a injeção de bilhões de dólares no sistema financeiro, para dar lastro ao credito podre desde, mantém o mesmo patamar de problemas, piorando cada vez mais sua visibilidade internacional.
O mesmo tem acontecido na Europa. A união européia tenta hoje reagir contra a atual crise que abala principalmente a Grécia e a Itália. Outros bilhões de euros estão sendo injetados na economia, com a esperança de reativar o atual sistema, e mante-lo em funcionamento.
Um notório desespero surgiu neste momento, visto que mesmo com a intervenção do Estado no mercado financeiro, não foi suficiente para acalmar os ânimos. Nessas ultimas décadas, o Estado vem tentando organizar todo o sistema. Com o passar das experiências vividas, foi-se chegando à conclusão que o Estado sozinho não poderia organizar tudo.
Há uma enorme distancia que separa o Estado do mercado financeiro. Os interesses são contrapostos e o Estado regulando tudo acabou se sobrecarregando, fazendo com que naturalmente, retira-se do mundo do mercado, interferindo o mínimo possível, deixando que o próprio sistema se regulasse.
O que surgiu neste momento é uma figura nova, um novo pacto organizacional, onde o Estado dá condições básicas de cidadania, liberdade, igualdade, educação e principalmente competição econômica de mercados. Isso tudo, aqui se registra, não passa apenas de uma tentativa de evitar conflito entre essas duas figuras: Estado e Mercado.
Com essa atitude, o que vimos acontecer desde a metade do século passado, foi uma maior interferência da sociedade na vida dos assuntos do país. Figuras e modelos foram criados, ampliados, na tentativa de obter uma maior participação do povo, regulando as políticas governamentais e econômicas.
As entidades comunitárias, chamadas de organizações não-governamentais estão presentes na sociedade desde muito cedo. A igreja, os sindicatos, associações de classe, entidades sem fins lucrativos são os maiores exemplos.
Apesar de presentes, essas entidades não tinham um caráter político-social. Antes, eram como meras coadjuvantes, movidas pela solidariedade ao próximo, imposição de doutrinas e éticas, ou ainda pela luta de direitos.
Neste novo tempo, com a notória transformação do Estado, que tenta a todo custo cortar suas responsabilidades e empurrá-las ao mercado econômico, as organizações comunitárias ganharam um novo fôlego, deixando a sociedade mais próxima do poder político, sem, contudo misturar-se a ele.
As ONGs, ou seja, organizações não-governamentais foram fortalecidas com a nova política, ganhando papel fundamental no esquema político / econômico mundiais.
Com o advento da sociedade da informação, houve inegável conseqüência, uma mudança drástica na sociedade, um rompimento de fronteiras físicas, econômicas, políticas, sociais, que ocorreu pela difusão do conhecimento e informação.
Com a era da informação digital o mundo tornou-se pequeno (Barbosa, Marco Antonio) e introduziu uma nova forma de vivência mundial, uma tendência a globalização, tanto de culturas, povos e economias, ou seja, um caminhar lento para uma homogeneidade na comunidade mundial.
A rede de computadores interligada, a notícia em tempo real aproximou os povos, criando novos laços, antes impensáveis e inconcebíveis, e ainda, um barateamento nas condições de aquisição dessa informação.
O individuo de posse completa a novas informações, começa a criar e desenvolver identidades distintas daquelas já existentes. As redes sociais e meios de comunicação e compartilhamento de dados criam comunidades virtuais, ou seja, pessoas reunidas por semelhanças e filosofias parecidas, gerando vários corpos sociais dentro do próprio Estado e também fora dele.
Mas não é só o individuo, sob o prisma da sociedade da informação que desenvolve uma nova identidade. O Estado nação hoje passa por um conflito. CASTELLS diz que o Estado perde seu poder, embora não sua influencia, mas seu poder fica diminuído, afetando diretamente a sua soberania.
Isso é o efeito notório da dicotomia Globalização X Regionalização.
A regionalização é a única arma que o Estado moderno tem para não perder sua identidade, fomentando a diversidade cultural, biodiversidade, direito a diferença, protegendo o seu patrimônio imaterial, não deixando que a heterogenia entre as diversas sociedades acabe.
Neste sentido, as ONGs são fortes aliadas do Estado. Com sua característica marcante de atuação regional, promove uma priorização de costumes e culturas, fortalecendo a regionalização.
As ONGs são um pouco diferentes das antigas organizações civis. As atuais ONGs criaram um novo poder político / econômico, chamado hoje de 3º setor.
O 3º setor é uma criação norte americana, mas sua definição é ainda polemica. Alguns tratam como organizações sem fins lucrativos ou organização de voluntários. Na verdade, o terceiro setor representa hoje o segmento de uma esfera publica não Estatal, marcada pela lógica de sociedade civil, que são representadas por diversos tipos de ações, sejam elas culturais, econômicas, sociais.
O que o terceiro setor tem como primordial é buscar mecanismos de fortalecimento da participação popular junto às esferas governamentais, redimensionamento das praticas políticas dos agentes internos e externos de movimentos populares, agregando novos valores na gestão publica e produção de conhecimentos de forma compartilhada, sem, contudo, ser efetivamente um órgão político.
Diante dessa atuação, o terceiro setor promove novas formas de produção, transferência e uso da informação. Este terceiro setor, novo, que já foi representado pelas igrejas, pastorais, sindicatos, etc., hoje ganha novo revestimento, como a figura das ONGs.
As ONGs se organizam no espaço da sociedade civil, incorporando um objetivo maior de assessoria aos movimentos populares, que são basicamente atrelados a cultura, mediações políticas, ajuda mútua, igualdade e diferença, criando condições para uma “democracia cultural” TORO, 1997.
As ONGs, desde os anos 70, vêm adquirindo uma autonomia institucional que as diferencias dos partidos políticos e das igrejas, pois se dedicam a movimentos que ocorrem nos níveis intermediários e inferiores do corpo social, longe do corpo político. FERNANDES, RC 1988.
A estrutura dessas organizações é diferente das maiorias das instituições, pois não são representantes formais dos movimentos populares, e não sendo entidade representativa, não operam por delegação, agindo nas camadas populares sociais.
As atividades latentes dessas organizações hoje são a assessoria (forma de relacionar intelectuais e movimento social) sem, contudo estabelecer hierarquia. Ainda realiza atividades de pesquisa, educação popular, formação sindical, assessoramento técnico, projetos de produção econômica, formação de agentes, comunicações.
Apesar de negarem uma identidade no campo acadêmico, as ONGs produzem informações, procedimentos de comunicação entre pares, organização de seminários, cursos, treinamentos, publicações de periódicos especializados, com o tema voltado para o próprio campo.
Apesar disso, dize-se longe do campo acadêmico em virtude do isolamento quanto ao estabelecimento de projetos e estudos de desenvolvimento e emancipação social. Com tudo isso, conclui-se que a identidade e vocação das ONGs são política, científica, e pedagógica.
Como em todo modelo, as ONGs enfrentam diversos problemas. São fatos que prejudicam sua ampla atuação, como por exemplo, o desvio de verbas e recursos em beneficio de alguns de seus agentes. Os problemas não param por ai, além do velho problema de corrupção, as ONGs têm problemas técnicos e operacionais, visto que apesar de assessoradas, muitas delas contam com pessoal sem formação necessária. A legislação também é outro entrave na vida das ONGs. Algumas leis já foram postas em vigor, mas outras, que tem primordial relevância, estão paradas no legislativo, aguardando vontade política ou conveniência.
Um dos grandes problemas enfrentados pelas ONGs nacionais é o problema de liquidez. A falta de capitais para investir em novas ações ou reforçar aquelas já praticadas pela organização limita sua atuação fortemente, visto que o poder publico repassa verbas a uma quantidade específica de ONGs. As demais têm que promover, através de parcerias privadas, atividades que proporcionem movimentação de dinheiros, como doações, incentivos regionais, entre outros. Com a falta de recursos as ONGs não podem investir em qualificação e formação profissionais de seus agentes. Eles atuam mais pela boa vontade do que pela especialização de experiências pessoais.
A falta de ciência nas entidades regionais implica em diversos fatores, mas principalmente atinge a qualidade nos serviços prestados, bem como a amplitude de sua atuação. Esses problemas aliados a fatores de custo congelam o corpo das ONGs, restringindo sua atuação e eficiência.
No Brasil existem diversos tipos de organizações não governamentais, cada qual atingindo sua área na sociedade. A SAMPA.ORG promove a inclusão digital na periferia de São Paulo. Criada em 2000, hoje a ONG trabalha em função do fortalecimento de uma rede publica de comunicação e informação.
Assim, a ONG sai das salas de aulas, e desenvolve agencias de noticias populares comunitária, cooperativas de suporte e manutenção, cursos de capacitação para design e até rádio comunitária online.
Nesses últimos anos as ONGs vêm se fortalecendo e proliferando, mais e mais, sendo clara a reação e auto-iniciativa da sociedade civil face os problemas sociais negligenciados pelo poder publico e pelo mercado, tentando humanizar um pouco o sistema capitalista. PABLO FALCONER, 1999.
É neste ponto que as ONGs têm primordial função. Com a o afastamento do Estado de algumas áreas e com a deficiência do mercado em assumir responsabilidades, a sociedade teve que reagir a esse movimento, criando um poder paralelo (3º setor) que é desprovido de caráter político / econômico, apesar de ter sua atuação fortemente marcada pela política e economia.
Essa nova arma que o comum detém, é capaz por si só de resolver problemas da sociedade. A afirmativa é verdadeira quando olhamos do prisma de que uma ONG atua no interior do corpo social. Essa pequena distancia com a sociedade proporciona uma formula de sucesso, ou seja, a oportunidade de viver o problema e também de solucioná-lo.
Essa característica marcante das ONGs promove a inclusão dos excluídos de forma intima, pois ela atua diretamente na comunidade local. É neste ponto que a ONG é uma grande aliada do Estado. Em uma sociedade que prima pela união de tudo como capital, educação, língua, cultura, ou seja, o efeito da globalização, as ONGs promovem um movimento contrário, ou seja, a regionalização.
Vemos que apesar de esforços da comunidade mundial em diminuir fronteiras e diferenças, há sim uma recusa em uniformizar a sociedade da informação. Essa recusa acontece primeiramente nas bases da sociedade, que não aderem a movimentos em massa como a internet (problemas dos bancos online, jornais e revistas, etc.).
O Estado, através de políticas de incentivos, promove a valoração dos bens culturais nacionais, protegendo a diversidade cultural, o patrimônio cultural imaterial, sendo que este seria o segundo agente que recusa uma uniformidade na cultura mundial. Podemos pensar que em algum dado momento histórico teremos se já não temos, uma cultural comum mundial, criada pela sociedade da informação, sendo que essa cultura independe de cidadania, etnia, ou tipo, visto que ao aderirem a um movimento, as pessoas sedem parte de sua cultura em prol da construção de uma nova e coletiva, compartilhada com os mesmos interessados, mas sem, contudo, deixar a sua cultura original.
A formação de uma cultura universal na sociedade da informação é iminente, de fácil verificação através da própria linguagem, meio mais comum de expressão de uma cultura. Em bate papos, independente qual a nacionalidade o usuário, criou-se uma cultura nova, uma linguagem nova, ou o internetez. Jargões eletrônicos como kkkkkk, ou loloolo ou ainda :) =) tornaram-se universais, e quase obrigatórios para aqueles que freqüentam o ambiente virtual.
O que concluímos é que não haverá uma uniformização de culturas na sociedade da informação e sim a criação de uma nova cultura, que abarca parcelas de outras culturas, formando uma nova e comum a todos, mas restrita a aqueles indivíduos que aderiram à sociedade da informação.